A Crítica Como Ingrediente Para o Crescimento: Uma Conversa com Tamanda Kanjaye
A Crítica Como Ingrediente Para o Crescimento
UMA CONVERSA COM TAMANDA KANJAYE
Tamanda Kanjaye é uma escritora e poetisa com uma variedade de obras publicadas. Estudou jornalismo na Universidade do Malawi – A Politécnica. O seu trabalho foi publicado na antologia Aves Aquáticas na Costa do Lago, Uma Colecção de Poesia e Prosa: Os Elementos, Kalahari Review. A sua história Para Alguém que Eu Conhecia e o seu poema Cicatrizes de Tinta ficaram em terceiro lugar no concurso inaugural da Penavenue Malawi e o Makewana Writing 2019, respectivamente. Foi também pré-seleccionada em alguns concursos. Ela publica micropoesia esporadicamente na sua página do Instagram.

APRESENTADO POR JALIYA THE BIRD
Esta conversa aconteceu entre um lugar movimentado em Luanda e um quarto lavanda e branco em Lilongwe cheio de papéis amassados, com ideias de histórias e mil canetas, das quais algumas já secaram há muito tempo, através do WhatsApp.
Jaliya: Olá, Tamanda! Muito obrigada por teres aceitado o meu convite. Sinto muito prazer em partilhar este espaço contigo. Na tua biografia para a Kalahari Review, mencionaste estar interessada nos conceitos de morte, miséria humana, almas destroçadas, autodestruição e na ideia de possível salvação e redenção. Gostaria de saber mais sobre isso, o que é que te encanta nesses conceitos?
Tamanda: Acredito que a vida fez de mim uma pessoa muito triste e cínica. As pessoas dizem-me sempre para procurar um lado positivo, mas sinto que faço exactamente o contrário. As histórias sombrias, tristes e dolorosas são as melhores, quanto a mim. Elas expõem a crua monstruosidade da humanidade. Apesar disso, ainda há algumas manchas de luz em toda a escuridão, e acho que uma parte romântica de mim adora a ideia de uma boa história de redenção.
Jaliya: “A vida fez de mim uma pessoa muito triste e cínica”, eu sei algo sobre isso! Durante muito tempo vi as minhas más experiências como fardo, até que me vi capaz de me ligar às pessoas de uma forma particular, vi a proverbial sabedoria da dor e das cicatrizes e comecei a interpretar o meu “fardo” como “peso”… o peso de quem sou. Não há nada de bonito em viver coisas que nos moem ou quebram o nosso espírito, mas é bonito proporcionar conforto às pessoas, de uma forma que ultrapassa a empatia, por meio do nosso conhecimento experiencial, também somos capazes de nos manter firmes baseados no nosso historial de sobrevivência, e esta é uma fabulosa história de redenção.
Falas da crua monstruosidade da humanidade, e eu quero saber duas coisas: como lidas com as verdades feias? Na sua entrevista com a Edith, Ayotunde Olumilua diz que “uma das vantagens da ficção é que se pode mascarar as próprias experiências ou opiniões controversas com personagens”. Encontras-te a falar através de personagens quando queres expressar algo obscuro ou vergonhoso, ou falas, escreves como tu?
Tudo isto requer muita transparência e honestidade, por favor, fala-me sobre a tua relação com a vulnerabilidade e a narração da verdade.
Tamanda: Penso que uso os meus personagens para expressar as minhas experiências e depois experimentar as diferentes reacções, situações que poderiam provir delas. E por vezes tento pensar em cenários que nunca vivi e como reagiria perante eles. Utilizo os meus personagens para explorar as multiplicidades e dinâmicas da vida e das emoções. Utilizo definitivamente personagens e palavras para dizer coisas que eu não teria dito fora da história, da escrita. Por vezes, digo-as primeiro no papel e depois na vida real.
Balanço como um pêndulo entre fechar-me como uma amêijoa e a partilha excessiva. Tento dar o meu melhor para ser o mais honesta possível quando me perguntam coisas. Mas também tenho consciência de como minto por omissão, mil vezes, e como deixo certas coisas viverem e morrerem apenas dentro de mim.
Jaliya: Adoro esta parte de dizer as coisas no papel primeiro e depois na vida real. Quais são as coisas que a escrita trouxe à tona em ti? O que aprendeste sobre ti através da escrita?
Tamanda: Penso que a escrita me fez perceber que eu era uma pessoa muito zangada por dentro. Zangada, ligeiramente perturbada e definitivamente triste. Mas ao mesmo tempo que me mostrava estes aspectos de mim que eu não conhecia, também me oferecia uma fuga e alguma libertação. Expôs o meu trauma e deu-me terapia quando eu quis chorar por isso.
Jaliya: Estou grata por a escrita poder ser uma conversa com nós próprios. Espero que a escrita te obrigue a dialogar contigo mesma mesmo quando revela raiva e tristeza. Falando em conversas e terapias, escreveste Deus, Luto e Eu, um diálogo poético por (e riscaste, substituindo “por” por “com”) Tamanda Kanjaye. Qual é o teu ponto de vista sobre essa distinção e por qual motivo foi necessário trazer essa perspectiva para este trabalho em particular?
“Absolutamente adoro a crítica: boa ou má. A ideia é aprender com ela. Sinto que preciso de ouvir todo o tipo de crítica para o meu trabalho, porque me ajuda a crescer como artista.”
Tamanda: Este trabalho em particular é muito pessoal. Uma pequena exposição: eu cresci católica. Eu sou católica. Embora mais agnóstica do que qualquer outra coisa. Isto para dizer que acredito no Deus cristão, apenas não concordo com a sua Palavra na maioria das vezes. Por vezes também estou aberta a descobrir sobre outros deuses e outras vezes sinto que é apenas o universo.
Nesta obra em particular, “Deus” refere-se ao modelo, a coisas fora do nosso controlo que acontecem à nossa volta. Continuando, escrevi este texto a caminho de um funeral. Tinha perdido alguém que me era querido e não me conseguia levar a chorar. Senti-me entorpecida e só pensava “porquê, Deus, porquê? Quanto mais podes tirar de mim? Não tiraste tudo?” Eu já sabia que não ia chorar nesse dia. A minha relação com o luto é complicada. Não o sinto no momento e ali, na maioria das vezes tento não o sentir.
A minha relação com Deus é tensa.
Metade das vezes também não me detenho. Mas estou a aprender que, por vezes, é preciso aceitar as coisas como elas são. Deixar Deus ser Deus e permitir-se chorar.
Jaliya: É bom explorar as crenças religiosas, testar aquilo em que acreditamos. Sinto muito pela tua perda, espero que estejas a recuperar. Obrigada pelas palavras.
Também gostei da tua outra colecção de poemas, Papel Mâché. Como é que ela surgiu?
Tamanda: O engraçado sobre Papel Mâché é que levou anos a fazer. Eu escrevi Corações de Papel quando tinha uns 16 anos, há cerca de cinco anos, e Castelos de Papel quando tinha 18 anos. Quando escrevi Castelos de Papel, pensei que escreveria uma compilação chamada Castelos de Papel. E eu sabia que queria que o Corações de Papel fizesse parte dela. Sabia que cada poema na compilação seria algo ligado ao papel, mas não sabia exactamente o quê. Sempre quis escrever um poema chamado Tigres de Papel (e sabia que iria lidar com o abuso, dado o significado de um tigre de papel), mas não o escrevi logo nessa altura. Por isso, durante três anos pensei no que poderia colocar na colecção, no que eu queria que fosse, e fui frequentemente adiando.
Três anos depois, tinha acabado de sair da faculdade, estava em confinamento e tinha passado quase dois anos sem escrever nada que valesse a pena, decidi que queria escrever Castelos de Papel. Mas o título não era justo. Pensei em Mundos de Papel, mas não retratava a versatilidade do que eu queria escrever. Eu queria escrever uma colecção sem tema ou assunto, mas que se encaixasse bem. Algo maleável, mas bonito… como todas as coisas que as pessoas fazem a partir do papel mâché (ainda um dos meus melhores títulos). Realmente foi assim que o título veio. Não é grandioso, apenas fruto do pensar intensamente. Os poemas vieram um por um, como sempre fazem. Muitos foram removidos (um chamava-se Deuses de Papel, mas não ficou como eu esperava). Eu também queria originalmente escrever uma colecção mais longa, mas quantas vezes se pode usar papel num título, realmente? Cada um tem o seu pequeno significado.
Jaliya: Parabéns pelo tão adequado título Papel Mâché.
Gosto do que fizeste com o Tigres de Papel, faz-me lembrar de outro poema teu que também ficou comigo, Cicatrizes de Tinta. Penso que és hábil em ser concisa e profunda, simples, mas significativa. Descreves-te como uma escritora de micro poesia, o que te atrai para este estilo de escrita? Estou correcta na análise que fiz (sabes dizer muito com poucas palavras)? E essa escolha tem algo que ver com o que mencionaste anteriormente sobre “balançar como um pêndulo entre fechares-te como uma amêijoa e a partilha excessiva”? Será algo que começaste a fazer porque querias desnudar-te e simultaneamente ser privada, encriptada? Como é que este estilo surgiu para ti? Além disso, porque é que continuaste a escrever assim? Li colecções de 2017, 2019 e 2020 e vejo a micro poesia como a tua assinatura, algo que tens vindo a fazer há algum tempo.



Tamanda: Bem, tento dizer muito em poucas palavras também. Tento dar o meu melhor para não vaguear, especialmente porque a minha poesia é para leitura. Preciso de ser capaz de cativar o meu público e mantê-lo lá até ao fim. Penso que algumas dessas coisas, especialmente as coisas de que falo, podem ser facilmente ditas no menor número de linhas possível para uma melhor entrega.
Penso que curto e conciso também diz muito sobre mim. Vou directo ao assunto. Não dou mais informação do que a necessária e não costumo a dar curvas. Mas partilho de forma excessiva.
Jaliya: O que é que consideras uma partilha excessiva e como é que acontece isso, visto que és bastante directa e intencional com o que estás a dizer? Talvez te apegues demasiado depressa, e isso cria uma afinidade que te permite partilhar demais muito cedo?
Tamanda: Não me parece que se trate de criar afinidade. Penso que se trata mais de oferecer exposição, contexto e autenticidade. As pessoas relacionam-se com uma boa história e eu sou uma contadora de histórias. Penso que se trata mais de exposição e compreensão, proporciono-lhes algo com que se relacionar. A maior parte das coisas que represento, que escrevo, posso relacionar comigo e ter vivido de uma forma ou de outra. Penso que dá sentido. E depois fico intensa e apercebo-me que: “oh, talvez isso tenha sido demais”.
Partilhar é difícil porque requer que se permita ser vulnerável. É basicamente dar a alguém munições para te magoar se quiser. Os humanos nem sempre são tão gentis e amáveis como se deseja.
Jaliya: Concordo, também me encontro a sair da minha zona de conforto para contar uma história de forma eficaz. Quando a história exige um pouco de exposição e contexto, sou o tipo de pessoa que abre o coração para montar o cenário. Como disseste, partilhar requer vulnerabilidade, e é doloroso quando as pessoas usam o que partilhamos contra nós, ou quando reagem de uma forma que nos faz desejar não termos dito nada.
Por falar em reacções, participaste em vários concursos; em 2017, foste finalista do concurso inaugural de contos da Pen Avenue Malawi, em 2019, foste a 3º classificada para o Concurso de Poesia Makewana, a tua escrita também foi apresentada em alguns lugares, como a nona colecção de poesia e prosa de Robin Barratt: Elementos e a Antologia Afro Jovem, Aves Aquáticas na Costa do Lago que a levou a uma oficina de uma semana no Ruanda em 2019. Neste universo de concursos, reportagens, publicações e oficinas, creio que o teu trabalho recebe frequentemente críticas. Como é que lidas com a crítica? Como tem moldado o teu trabalho? Como é que lidas com o feedback negativo? E como é que lidas com a ausência de feedback? Já todos passámos por isso, envias um trabalho e não ouves nada da publicação ou olhas para o público e vês expressões vazias.

Tamanda: Aves Aquáticas na Costa do Lago é como foi comercializada (risos) a primeira antologia de ficção de jovens africanos, por escritores africanos na história recente. Tem 17 histórias contadas de forma original que lidam com uma miríade de questões, desde a família à guerra, à perda, à sexualidade. A minha história, Uma Mudança na Forma de Dormir, é apresentada nela. No início era apenas uma cópia impressa, mas agora está disponível na Okadabooks e Amazon.
Absolutamente adoro a crítica: boa ou má. A ideia é aprender com ela. Sinto que preciso de ouvir todo o tipo de crítica para o meu trabalho, porque me ajuda a crescer como artista.
Uma coisa que aprendi com os anos é que, se nos permitirmos ser criticados, mais aprendemos quais as críticas que devemos ouvir. Nesse sentido, o que quero dizer é que por vezes alguém te dirá que precisas de mudar algo no teu trabalho, e por vezes paras e pensas: “isso é correcto”. E às vezes dizem algo e tu dizes: “não, não é isso o que estou a tentar fazer”.
Quando estive no Ruanda, a oficina estava lá para apresentar críticas do nosso trabalho. Recebi críticas dos meus colegas sobre como o meu trabalho deixava a desejar. E não me interpretem mal, dói ser informado que o teu trabalho deixa a desejar, mas essas são as coisas que precisas de ouvir mais do que “o teu trabalho é bom”. Continuando, a facilitadora, que foi literalmente a editora principal do livro, disse-me para editar um ponto crucial do enredo, e eu fui capaz de defender o meu trabalho e dizer, muito educadamente, que não concordava com ela, porque aquela não era a essência da história. Literalmente pensei que a minha história não seria seleccionada para a antologia depois disso. Mas, passado algum tempo, recebi o convite e a notícia de que tinha conseguido chegar à fase final.
Quando se trata de feedback negativo, não vou mentir e dizer que lido sempre com ele de forma positiva. Por vezes alguém me dirá que o trabalho é mau, e eu vou lamentar e chorar como uma criança. Mas acredito que o feedback negativo tem sido mais construtivo do que o feedback positivo, porque: 1) me ajudou a desenvolver uma pele espessa e ensinou-me a ser uma melhor escritora, ao 2) ensinar-me quais ideias incorporar. Penso que a maioria dos escritores, quando lhes é dito que o seu trabalho não é o ideal, se apressam a defender-se. O melhor é perguntar de que forma não é. E é quando recebemos comentários como “é demasiado passivo”, “o personagem principal não é realístico”, blá, blá, blá. É também importante notar que algumas pessoas não dão um feedback tão detalhado, e cabe-me a mim descobrir como corrigir as coisas. Nas palavras de um tipo de quem não me lembro, “a arte nunca está completa, apenas abandonada”. O meu trabalho pode sempre ser melhor. Mesmo que ganhe o Prémio Nobel da Literatura (talvez um dia, *risos).
Penso que é sempre crucial que, como artista, também eu me critique a mim própria… de forma contínua. E também aprender quando concluí, aceitar que, “embora possa ser melhor, isto é o melhor que posso fazer” e seguir em frente.
Mas, acima de tudo, 3) a crítica permite-me conhecer melhor o meu trabalho. Aprendi a afinar qual feedback se aplica realmente ao meu trabalho e qual não se aplica. Algumas pessoas pensam que sabem o que estás a tentar comunicar melhor do que tu. E se eu não tivesse aprendido exactamente o que é que eu estava a tentar dizer com cada texto, encontrar-me-ia a cair na armadilha de ouvir cada crítica e transformar o meu trabalho em algo que não pretendia que fosse.
Nenhum feedback para mim é o pior. Se pudesse, incomodaria toda a gente para que me dissessem o que pensam do meu trabalho. Fico sempre a pensar… “será que leram/prestaram atenção a isso?”, “foi tão mau que ficaram sem palavras?”, “foi tão espectacular que os atordoei para o silêncio?” Nunca poderei saber. O que eu sei é que haverão outros públicos e publicações que me darão feedback. A chave é aprender a mover-me e nem sempre permanecer em algum lugar, caso contrário, ficaria para sempre presa num só lugar. Definitivamente, não desejo ser uma escritora estagnada.

Jaliya: Adoro essa resposta, muito obrigada por estas palavras. Adoro a parte de fazer uma verdadeira pausa e pensar nas formas como o nosso trabalho deixa a desejar, é algo que abraço de todo o coração, mas também acredito firmemente na análise do que se aplica a mim. Isto me leva de volta a uma história que escrevi quando tinha cerca de 15 anos e um amigo meu aconselhou-me a mudar uma palavra que usava para descrever um determinado personagem, disse que convidava o leitor a desrespeitar o personagem. Eu substituí a palavra, e ela não me caiu bem. Dois dias depois, durante cerca de 45 minutos, expliquei porque precisava de usar a palavra que tinha originalmente escolhido. Isto porque compreendi o que disseste aqui, que devemos garantir que contamos a história que queríamos contar.
Obrigada por contares as tuas histórias e de uma forma e estilo que é fiel à tua intenção.
Ainda sobre a crítica, quais são os teus comentários sobre ser quem faz a crítica e dá o feedback? Como tem sido a tua experiência?
Tamanda: Isto me tem dado muitos inimigos no meu ramo. Muitas pessoas dizem que a arte é subjectiva, e seja lá como for, desde que alguém esteja a fazer, é tudo o que importa. Por mais que eu concorde plenamente que ninguém pode impedir as massas de gostar da arte de que gostam, ainda é possível julgar o que é boa escrita e o que não é. Li toneladas de clichés do Wattpad que gostei muito, mais do que devia. Mas também estava muito consciente de que se tratava de má escrita. Porque a leitora em mim e a escritora em mim são diferentes. Dito isto, muitas pessoas têm vindo ter comigo em busca de conselhos. Na maioria das vezes pergunto se escrevem como hobby ou como carreira, porque assim sei com o que estou a lidar.
Tento não ser brutal, mas tento ser honesta. Não recompenso as pessoas apenas porque elas participam no ofício. Escrever é difícil. É preciso aprender. Como qualquer habilidade, também é preciso afinar. Já disse antes, as pessoas podem sempre melhorar a escrita. Em qualquer altura, se estiverem dispostas a olhar para além do orgulho e das defesas e apenas ouvir críticas. A maioria das pessoas gosta de me chamar à atenção quando eu critico trabalhos de mérito literário como da Chimamanda ou Rupi Kaur ou Upile Chisala ou Roxanne Gay ou Octavia Butler. Mas penso que é suficiente dizer que o nível de gosto de cada um é normalmente superior à sua própria habilidade. Estas mulheres escrevem cem vezes melhor do que eu? Absolutamente. Significa que não posso criticá-las…? Eu gostaria de pensar que posso.
Trata-se de aprendizagem e reaprendizagem. As pessoas menosprezam escrever. Dizem que é um talento, o que até certo ponto é. Mas a escrita pode ser ensinada. A escrita é o meu talento, mas não foi só o meu talento que me trouxe até aqui. Tive de aprender. E se alguém está disposto a aprender, estou disposta a ajudar da melhor forma que puder.
Jaliya: Tão bem colocado…
Vi o teu nome nos créditos de um vídeo da Mott MacDonald sobre a erosão do solo e a necessidade de tomar as medidas necessárias para evitar falhas agrícolas no Malawi. Miss Assistente de Câmara Tamanda Kanjaye, estás a dizer-me para esperar um filme teu no devido tempo? Através de quais outros meios exploras a tua criatividade? O que estás interessada em explorar? Gostaria de sentir a tua mente fora da palavra escrita.
Tamanda: É maravilhoso que perguntes. Por vezes faço desenhos. Gostaria de saber como fazer aquelas coisas de design gráfico e ilustrar os meus próprios livros. Também gostava de desenhar mais, às vezes. Costumava querer entrar em filmes e curtas-metragens a certa altura, mas mais gráficos em movimento (coisas de animação). Tenho tantas ideias sobre como conceptualizar a minha poesia através de filmes de animação.
Jaliya: Isto é maravilhoso! Percebi isto através da tua página no Instagram e nas tuas colecções de poesia, alguns poemas foram apresentados sob formas interessantes, não só comunicas por escrito ou verbalmente, mas também falas visualmente (Obs. O que fizeste com a Sketch Media Malawi é fogo, trocadilho intencional), e isto é algo que gosto em ti, adoro o quão criativa és. O que te impede de explorar o design e os gráficos e todas as outras coisas fixes que queres fazer com a tua poesia e histórias?
Tamanda: Para ser honesta, a tarefa parece assustadora. Aprender uma nova habilidade a partir do zero é difícil. Os meus amigos mostram-me o básico, mas a maioria deles está demasiado ocupada para me ensinar. Estou cansada e preguiçosa demais para me esforçar tanto quanto gostaria.
Jaliya: Justo. No entanto, espero que ainda explores estas coisas e utilizes os meios que quiseres, mesmo que não sejas tu a executar as tarefas, associa-te às pessoas da área e faz com que isso aconteça!
Tamanda: Espero que um dia o faça, juro por Deus.
Jaliya: Esplêndido. Já para terminar, gostaria de saber o que tens andado a fazer nestes dias. Estás a trabalhar em algo que gostarias de partilhar?
Tamanda: Por acaso, sim. Tenho escrito mais devagar do que imaginei, mas pelo menos estou a fazê-lo. Estou a trabalhar numa colecção de contos chamada A Caixa de Vidro, que contará 10-12 contos simples e curtos sobre raparigas, suas famílias, seus amigos e amantes.
A outra é uma colecção de poesia chamada Luz de Vela. Esta é provavelmente, por acaso, a coisa mais difícil que alguma vez escrevi. É uma colecção sobre o abuso, dividida em três partes: Anoitecer, que fala do abuso tal como ele é; Feridas Abertas; que fala do trauma de viver isso; Luz de Vela, que fala de como as pessoas se curam à sua maneira. Chama-se Luz de Vela porque a maioria das pessoas espera que haja o amanhecer após o anoitecer. E por mais que todos nós esperemos por isso, o abuso muda-nos. E a cura é dura, e, por vezes, o melhor que alguém pode fazer é acender uma vela para levá-la durante a noite.
Jaliya: Oh, isso será delicioso. Obrigada por te aventurares em contar essas histórias.
Muito obrigada por estares disponível para ter essa conversa comigo, foi um momento tão maravilhoso. Desejo-te sorte nos teus próximos projectos. Desejo-te também o crescimento e a coragem de continuares a descobrir o que tens dentro de ti. “Definitivamente, não desejo ser uma escritora estagnada”, dos teus lábios para o universo, que assim seja.
Tamanda: Também foi bom falar contigo sobre isso, agora que a parte séria está feita. Também gostaria de te conhecer melhor, uma vez que conheces todas as minhas entranhas.
Jaliya: Absolutamente, vamos tomar um café virtual. Vê só a África em Diálogo genuinamente a ligar escritoras!

Jaliya The Bird é uma escritora, poetisa, performer de Angola. A sua obra explora o ser Mulher, Negra, Africana dentro do conceito de [Inter]Sessions: UnSpoken Words. [Inter]Sessions é provocar, celebrar, libertar emoção e pensamento através da narração de histórias, a escrita, poesia e arte de representação. A artista é apaixonada pela liberdade e autenticidade, o viver a vida a partir da base de quem somos à medida que respondemos às causas que nos (co)movem. O seu premiado filme de spoken word-Idle Worship, produzido por Ariel Casimiro pela Usovoli Cinema, já foi exibido em vários festivais de poesia. Pode ler o seu trabalho aqui www.jaliyathebird.com